quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Manifesto da Mobilização Tiradentes Vive

O Brasil está regredindo.

Somos uma democracia jovem que, após mais de duas décadas de Regime Militar, ainda tenta se consolidar. Entretanto, são inúmeras as ameaças a essa jovem e imatura democracia. As duas principais ameaças são complementares: a nítida presença de um plano de perpetuação no poder por parte dos partidos do governo, sobretudo o PT, de caráter essencialmente autoritário; e a ausência de um movimento oposicionista de verdade, seja por parte dos partidos ditos de oposição, seja por parte da população não-alinhada ao establishment.

É plenamente sabido que, em uma democracia de fato, não pode haver pensamento único. A rigor, há o enfrentamento de forças políticas antagonistas que buscam influenciar nas tomadas de decisão na esfera governamental. Esse enfrentamento não é só necessário, como é condição imprescindível para uma democracia sólida e saudável. Atualmente, vemos no Brasil uma situação bastante diferente do que se pode observar em democracias consideradas maduras. O fisiologismo que domina as relações políticas em nosso país contribui de maneira decisiva para a atmosfera do pensamento único. Todos os partidos, de alguma maneira, buscam participar do governo de maneira ativa – através de alianças, cargos no governo – ou passiva – através de conchavos e arranjos políticos de toda sorte. Não há nenhum partido que seja, efetivamente, oposicionista.

O ano de 2010 foi um marco, sob diversos aspectos, para o Brasil, sobretudo no âmbito político. Importante peso nos fatos do ano teve, sem dúvida, a eleição presidencial. E uma lição valiosa que se pode tirar da eleição é que há, no País, uma grande quantidade de pessoas que não está satisfeita com o governo nem com a oposição – e essa porção da população não possui representatividade política praticamente nenhuma. São pessoas que, ao observar o cenário de correlação das forças políticas representadas pelos partidos, sentem-se politicamente órfãs. Isso ficou muitíssimo claro durante o período de campanha eleitoral dentro do mundo virtual, nas redes sociais e em inúmeros blogs. A quantidade de pessoas insatisfeitas com o projeto político vigente e com as outras propostas de governo não é algo que pode ser facilmente ignorado.

Logo após as eleições presidenciais no Brasil, ocorreram as eleições legislativas e para governador nos Estados Unidos da América. Dois aspectos muito importantes emergiram dessa eleição. Primeiro: a derrota do governo Barack Obama, que perdeu a maioria no legislativo, foi patente. O crescimento do partido Republicano mostrou que a população norte-americana não está satisfeita com o governo Democrata, que tem ampliado os gastos governamentais e a interferência do governo na vida das pessoas de maneira vertiginosa. Segundo: ainda que não tenha alcançado uma vitória propriamente dita, o movimento popular Tea Party conseguiu eleger diversos políticos que contaram com seu apoio. E esse segundo aspecto das eleições nos Estados Unidos é, em grande medida, inspirador.

O movimento Tea Party surgiu no ano de 2009 buscando inspiração na chamada Boston Tea Party (“Festa do Chá de Boston”, em tradução livre). Em 16 de dezembro de 1773, colonos ingleses, disfarçados de índios, invadiram navios da Companhia Britânica das Índias Orientais aportados em Boston e atiraram centenas caixas de chá ao mar em protesto contra o imposto sobre comércio de chá, o chamado Tea Act. A essência do movimento residia na liberdade dos colonos e na falta de representatividade da Coroa britânica – o que deu origem ao mote “no taxation without representation” (“não à taxação sem representatividade”, em tradução livre). O atual Tea Party surgiu com a proposta de se opor ao governo Obama e à falta de pulso e firmeza da oposição, particularmente o partido Republicano, tendo, desde o início, um caráter popular e autônomo. O movimento se espalhou de maneira impressionante pelo país, surgindo de maneira espontânea em diversos lugares por todo o território dos Estados Unidos. Em apenas dois anos de mobilização, o Tea Party alcançou o país inteiro e conseguiu, nas urnas, um resultado bastante expressivo.

No rastro do resultado das eleições norte-americanas, uma indagação foi levantada: se a população dos Estados Unidos pode afetar dessa maneira a correlação de forças no jogo político, deixando bem claro para o governo qual é a sua opinião sobre a política do Estado, por que nós, brasileiros, não podemos? Para essa pergunta, não há resposta afirmativa. A rigor, não há, de maneira objetiva, absolutamente nada que nos impeça de iniciar um movimento desse tipo do Brasil. Temos, evidentemente, particularidades que vão ditar a forma como esse movimento será construído, mas nenhuma dessas características, se encaradas com seriedade e compromisso, pode realmente impedir que esse movimento seja construído por nós no País.

Foi com esse espírito que uma iniciativa modesta, tomada no calor dessas indagações e de sua subjacente empolgação, foi posta em curso: a criação de um perfil no Twitter intitulado Tea Party Brasil. Em menos de três dias, o perfil contava com mais de duzentos seguidores, um número impressionante. O perfil foi utilizado na defesa de bandeiras que não foram defendidas com seriedade por ninguém durante as eleições – menos impostos, menos interferência governamental na vida das pessoas, respeito às liberdades individuais, proteção à vida, combate à corrupção, construção de um Estado enxuto e eficiente, autonomia dos estados da federação – e que, total ou parcialmente, são defendidas por essas pessoas que não possuem representatividade.

Entretanto, um movimento com o nome de Tea Party Brasil não teria chance de sucesso efetivo. Sem um espírito legitimamente brasileiro, advindo de nossa formação política e histórica, não haveria qualquer tipo de identificação por parte das pessoas. Esse aspecto foi crucial para chegar-se à conclusão de que o perfil Tea Party Brasil havia sido criado no calor do momento, e que, mesmo que a identificação de algumas pessoas tivesse sido bastante positiva, a falta de associações que o nome causaria poderia significar a ruína do movimento antes mesmo de seu nascimento efetivo. Foi em virtude disso que se optou por mudar o nome desse movimento incipiente para algo que tivesse grande relação com a nossa história e a nossa formação política. Assim, surgiu o Tiradentes Vive.

Mas por que Tiradentes?

Joaquim José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes, foi um dos líderes da Inconfidência Mineira, uma revolta que foi iniciada em Minas Gerais cujo objetivo era instaurar uma república na região da Capitania de Minas Gerais tendo como modelo, em grande medida, a independência dos Estados Unidos. A cobrança exorbitante de impostos sobre a mineração por parte da Coroa portuguesa, configurada pelo Quinto e pela Derrama, foi o aspecto material que impulsionou o movimento. O Quinto era a cobrança de 1/5 (ou 20%) da extração de metais preciosos nas colônias portuguesas, sendo recolhido pelas casas de fundição. Para obrigar a arrecadação do imposto, cuja cota anual era de 1.5000 kg de ouro, a Coroa portuguesa impôs uma outra medida chamada Derrama. Caso a cota não fosse paga integralmente, ela seria completada através do sequestro de bens dos chamados “homens-bons”, que eram os que deveriam zelar pela arrecadação do Quinto. Na essência da arbitrariedade dessa medida reside justamente o mesmo princípio que norteou o Boston Tea Party: a taxação sem representação. A Coroa portuguesa não representava, nem mesmo minimamente, os interesses da população do Brasil. Dessa forma, a cobrança desses impostos não era apenas arbitrária, como ilegítima.

Quando os inconfidentes foram traídos e presos, Tiradentes assumiu para si toda a culpa, o que lhe rendeu a forca e o esquartejamento. Em nome de um ideal maior, de um ideal de liberdade, ele foi capaz de dar a sua vida. Felizmente, não é necessário que, em nossos dias, sacrifiquemos a nossa própria vida para defender a liberdade. Entretanto, é necessário que sacrifiquemos algumas coisas, como o medo, a apatia, o descompromisso, o messianismo e o populismo. É necessário que enxerguemos que não precisamos de líderes que nos guiem como pastores que guiam ovelhas indefesas. É necessário que admitamos que não há nenhum responsável pelo nosso maior problema, o governo, além de nós mesmos. E é imprescindível que reconheçamos que somos nós, apenas nós, os senhores de nosso destino e do destino do Brasil. É só assim que o espírito de Tiradentes, que vive em cada um de nós, poderá ser despertado.

Isso não será feito de maneira rápida, e é preciso ter em mente o ditado popular que apregoa que a pressa é inimiga da perfeição. Nós, brasileiros, somos acostumados a ser guiados e a transformar tudo em um grande Carnaval, a levar todas as coisas de maneira ágil e displicente, a toque de caixa. Devemos, mais do que nunca, escolher a qualidade, e não a quantidade; a autonomia, e não o centralismo; o raciocínio próprio, e não a alienação. Não podemos pretender trilhar caminhos que já foram construídos por outros. Os caminhos que temos não nos levarão ao lugar que queremos, que é um Brasil do qual possamos verdadeiramente nos orgulhar, um país livre, democrático e verdadeiramente plural. É por isso que trilharemos o nosso próprio caminho, como o fogo que limpa a mata fechada e destrói as ervas daninhas, rumo à liberdade. Para isso, é preciso ter compromisso, seriedade, persistência e, sobretudo, verdadeiro amor pelo País. Lembremos as palavras do eterno Rui Barbosa: “tudo vence o patriotismo”.

Tiradentes foi traído. A traição persiste a cada dia, a cada instante, perpetuada das mais diversas formas. É preciso mudar isso. É preciso fazer honrar o seu legado, saudar a sua memória e retomar a sua luta.

TIRADENTES VIVE!